quinta-feira, 27 de junho de 2013

Em Porto Alegre, empresas de ônibus atuam sem contrato; prefeitura omite planilhas

Prefeitura negou pedido feito por meio da Lei de Acesso à Informação justificando que os dados "demandam trabalho adicional"; EPTC confirma que contratos nunca existiram

O valor da tarifa de ônibus em Porto Alegre foi o estopim das manifestações que pressionaram a redução no valor da passagem, após contestações do Tribunal de Contas e Ministério Público. Acuado pela opinião pública, o prefeito José Fortunati (PDT) apresentou uma nova proposta isenção fiscal para a redução do valor. No entanto, a questão do transporte público ainda é uma caixa preta da prefeitura e concessionárias de ônibus. Para se ter uma ideia do problema, o Terra fez um pedido à prefeitura baseado na Lei de Acesso à Informação, solicitando contratos e planilhas das empresas, mas recebeu como resposta que não era possível reunir a documentação. Mas na verdade, esses contratos nunca existiram.

A justificativa da prefeitura foi de que “as informações solicitadas demandam trabalho adicional para realização de pesquisas e montagem de planilhas, confecção de cópias, etc. (...) neste momento, não temos como atender a respectiva solicitação”, diz a resposta enviada pela prefeitura, citando o artigo 13 da Lei de Acesso à Informação, que especifica que podem ser negados pedidos que “exijam trabalhos adicionais de análise, interpretação ou consolidação de dados e informações, ou serviço de produção ou tratamento de dados que não seja de competência do órgão ou entidade”.

Na solicitação feita pelo Terra foram pedidos apenas os contratos e as planilhas apresentadas pelas empresas para justificar o pedido de aumento da tarifa de R$ 2,85 para R$ 3,05. Não foi feito nenhum pedido de interpretação, consolidação ou tratamento de dados, o que evidencia o descumprimento da legislação por parte da prefeitura.saiba mais

Contratos não existem

Entretanto, o problema parece ser ainda mais grave. De acordo com o procurador-geral do Ministério Público de Contas, Geraldo Costa Da Camino, a prefeitura não apresentou os contratos porque não existem. “Não iam mandar nunca, porque eles não têm”, diz. Essa informação foi confirmada pela Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC).

“Eu mesmo, quando iniciei essa análise das planilhas pedi que me mandassem os contratos, mas me responderam que não existem... na minha representação e, nos meus pareceres da inspeção, eu faço uma crítica a esse funcionamento, inclusive em relação ao conselho (Conselho Municipal de Transportes Urbanos), que é chamado às vésperas para analisar essas planilhas”, explica o procurador-geral.

Manifestantes tentaram invadir o prédio da prefeitura no primeiro protesto ocorrido em Porto Alegre, em março deste anoFoto: Diogo Sallaberry/LLPhoto Press / Futura Press

Na análise feita pelo Ministério Público, o principal problema encontrado, que originou uma medida cautelar em janeiro, é o uso da frota total e não da operante para calcular o percurso médio mensal, que faz com que o valor seja maior. “A tarifa de 2012, por exemplo, deveria ser R$ 2,60”, afirma Da Camino.

Na última análise feita pelo Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul foram identificadas 13 inconformidades e dois erros nas planilhas apresentadas pelas empresas, incluindo o valor de remuneração dos diretores (pró-labore) das concessionárias que administram as empresas. Após o relatório, o tribunal determinou, por meio de medida cautelar, que a EPTC fosse mantida em R$ 2,85. Neste cálculo, já estão incluídas as desonerações do PIS/Cofins dadas pelo governo federal. 

Após novas manifestações com milhares de pessoas nas ruas, o prefeito apresentou, nesta semana, junto à Câmara Municipal, um projeto que prevê a isenção de ISS, que baixaria o valor para R$ 2,70, mas a proposta ainda está tramitando no Legislativo.

De acordo com a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), os contratos nunca existiram porque desde que o transporte público passou a funcionar na cidade de Porto Alegre, em janeiro de 1873, com a operação de bondes de tração animal, nunca foi feita uma licitação.

Sob forte chuva, centenas de manifestantes comemoram liminar judicial que derrubou o valor da passagem de ônibus de Porto Alegre de R$ 3,05 para R$ 2,85. Foto: Vinicius Costa / Futura Press
Os ônibus começaram a funcionar na década de 20, e na década de 70 se estruturaram as empresas que operam o sistema até hoje. Atualmente, essas empresas são autorizadas a funcionar por meio de concessões e tem sua atuação regulamentada por lei. O sistema é operado pela Cia Carris - cujo acionista majoritário é a própria prefeitura - e por mais 14 empresas reunidas em três consórcios STS, Conorte e Unibus.

Licitação até o final do ano

Apesar de o Executivo dizer que existe controle e fiscalização forte junto às empresas responsáveis pelo transporte público, está previsto para o final do ano a realização de uma licitação em Porto Alegre, uma vez que será implantado o sistema BRT (Bus Rapid Transit, algo como ônibus de trânsito rápido) que deve mudar a locomoção na cidade.

Desde 2011, o Ministério Público de Contas tem alertado sobre a falta de contrato que formalize os direitos e obrigações das empresas prestadoras dos serviços, além da falta de critérios de avaliação da qualidade dos serviços, não estão especificados na legislação.

É avaliado apenas o cumprimento das viagens programas, cujas queixas aumentaram 430% entre 2004 e 2011, e a acessibilidade da frota, que em 50,7%, abaixo do ideal de 70%.






Protestos contra tarifas mobilizam população e desafiam governos de todo o País


Ônibus pichado durante manifestações contra o aumento da passagem em Porto AlegreFoto: Daniel Favero / Terra

Mobilizados contra o aumento das tarifas de transporte público nas grandes cidades brasileiras, grupos de ativistas organizaram protestos para pedir a redução dos preços e maior qualidade dos serviços públicos prestados à população. Estes atos ganharam corpo e expressão nacional, dilatando-se gradualmente em uma onda de protestos e levando dezenas de milhares de pessoas às ruas com uma agenda de reivindicações ampla e com um significado ainda não plenamente compreendido.

A mobilização começou em Porto Alegre, quando, entre março e abril, milhares de manifestantes agruparam-se em frente à Prefeitura para protestar contra o recente aumento do preço das passagens de ônibus; a mobilização surtiu efeito, e o aumento foi temporariamente revogado. Poucos meses depois, o mesmo movimento se gestou em São Paulo, onde sucessivas mobilizações atraíram milhares às ruas; o maior episódio ocorreu no dia 13 de junho, quando um imenso ato público acabou em violentos confrontos com a polícia.

A grandeza do protesto e a violência dos confrontos expandiu a pauta para todo o País. Foi assim que, no dia 17 de junho, o Brasil viveu o que foi visto como uma das maiores jornadas populares dos últimos 20 anos. Motivados contra os aumentos do preço dos transportes, mas também já inflamados por diversas outras bandeiras, tais como a realização da Copa do Mundo de 2014, a nação viveu uma noite de mobilização e confrontos em São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Salvador, Fortaleza, Porto Alegre e Brasília.

A onda de protestos mobiliza o debate do País e levanta um amálgama de questionamentos sobre objetivos, rumos, pautas e significados de um movimento popular singular na história brasileira desde a restauração do regime democrático em 1985. A revogação dos aumentos das passagens já é um dos resultados obtidos em São Paulo e outras cidades, mas o movimento não deve parar por aí. “Essas vozes precisam ser ouvidas”, disse a presidente Dilma Rousseff, ela própria e seu governo alvos de críticas.
Manifestantes fizeram pichações na fachada da prefeitura de Porto AlegreFoto: Diogo Sallaberry / Futura Press

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