terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Relato de uma amiga inconsolada (sobre a tragédia de Santa Maria)

As vezes, tudo que da vontade é de esquecer que isso aconteceu, fazer de conta que é uma mentira, fazer de conta que estamos todos loucos e delirando. Mas não dá, todos os meios de comunicação falam disso o tempo inteiro, notícias em todo o lugar, e quando se vê a proporção que a coisa tomou, a gente se assusta, passou as fronteiras do Rio Grande, do Brasil, o mundo voltou os olhos pra Santa Maria...

Eu, estou desde que acordei domingo vivendo isso... Sofrendo, e esse sofrimento foi multiplicado infinitas vezes quando me deparei com o nome de uma amiga na lista das vítimas fatais...

É incomensurável a dor que carrego no peito. Lembranças dos momentos que vivemos, a toda hora na minha mente... Foram dois anos de companheirismo, de estudos, de conversas, de descobertas que nossos 15 anos nos proporcionavam, de festas... Sim, ela adorava festas. Foi numa delas que encerrou sua mágica jornada na terra.

A gente queria ser irmã. Nossos pais arrescem tinham se separado quando nos conhecemos, e armamos todo um planos pra apresentar minha mãe ao pai dela. Dissemos a eles que precisavam ir buscar nossos boletins, eram obrigados a irem, senão nós não iriamos poder pegar. Eles foram, nós os apresentamos, e os incentivamos a ficarem. E eles se curtiram, e ficaram. Ela vinha aqui pra casa, chamava a minha mãe de boadrasta, já que dizia que minha mãe era boa demais pra ser chamada de mádrasta.

Mas assim como o pai dela, ela nunca se prendeu à nenhum lugar, ia para aonde o vento a levava, seguia seus sonhos sem nenhum medo de deixar nada pra trás, porque sabia que o que era dela não se perderia. No segundo ano de amizade nossa, ela se mudou, saiu do nosso Colégio Julinho e se foi pra Pinhal concluir o ensino médio. E eu fiquei mais uns anos no Julinho, e depois que não a tinha ao meu lado, fui viver outras aventuras, e acabei atrasando meus estudos. É bem provável que se ela não tivesse se mudado, eu não teria repetido nenhum ano. Afinal, eu sempre fui influenciável pelas companias, e perdi a compania dela, que me levava pelo caminho mais certo.

Mas enfim, não vou julgar as reviravoltas do destino.

Segui vivendo minha trajetória, e ela a dela.

Tempos depois, a localizei pelo facebook, essa ferramenta mágica que colabora pra que pessoas se reencontrem e possam contatar-se. Conversei com ela, soube que estava estudando o que sempre sonhou: Letras (ela realmente adorava português) na UFSM. Contei a ela que eu estava em Porto Alegre ainda, morando com a minha família ainda, na mesma casa ainda, e estudando Administração de Empresas. Ela rio, porque lembrou que eu queria ser geneticista. É, eu queria, mas as reviravoltas do destino acabaram mudando meus planos. Ela não, mudou-se de lugar e de vida, mas seus ideais continuaram os mesmos.
Há uns meses atrás conversamos novamente, ela me passou o telefone dela, e eu o meu. Fiquei de ligar, mas não liguei... Quando tentei ligar, era tarde.

Soube da notícia do incêncio na boate Kiss em Santa Maria. Lá pelas tantas, me lembro da Clarissa, minha amiga, que estava estudando na UFSM e morando lá em Santa Maria. Lembrei que tinha o telefone dela, tentei ligar e ouvi uma gravação dizendo que o número era inexistente. Estranhei, afinal, fazia pouco tempo que ela tinha me passado esse número. Mandei uma mensagem dizendo que estava preocupada, mas a mensagem não foi entregue. Comecei a me preocupar seriamente. Fui para o computador com o intuito de falar com ela pelo facebook, e pensei em procurar a lista das vítimas do incêncio só pra me certificar que não havia acontecido nada demais. Mas quando eu abri a lista, e fui direto na letra "C" (haviam poucos com a letra C), encontrei o que não queria nunca ter encontrado. Estava lá o nome dela, Clarissa Lima Teixeira. O nome que tantas vezes ouvi na chamada da minha turma, o nome que tantas vezes escrevi na lista de integrantes dos trabalhos da escola. O nome da pessoa que queria ser da minha família, que queria ser minha irmã, estava naquela maldita lista.

Lágrimas escorreram instantaneamente do meu olhar, ao ler aquele nome naquela lista.
Não dava pra acreditar, minha amiga, estava morta.

Fui olhar o facebook dela, muitas homenagens, e mesmo assim, com todas aquelas pessoas falando, não dava pra acreditar que ela tinha morrido.

E eu, queria ver ela quando viesse em Porto Alegre, encontrar ela em algum lugar, conversar, contar tudo que aconteceu comigo nos últimos 10 anos, e ouvir o que aconteceu com ela. Mas essa conversa nunca acontecerá, porque ela já não pode falar e nem me ouvir.

Essa é a última homenagem que presto a minha amiga Clarissa, que tentou ser minha irmã!

Que a sua alma descanse em paz Clarissa, que a tua inteligência magnífica intelectualize os céus, que teu largo sorriso ilumine o paraíso, que é aonde eu tenho certeza que tu estás.

As lembranças dos momentos que vivemos jamais sairão da minha cabeça, e elas amenizarão a minha saudade de ti que será eterna. TE AMO AMIGA, PRA SEMPRE!

E eu, seguirei aqui, na luta pelos sonhos que compartilhei muitas vezes contigo, lutando pra não sofrer demais com essa dor de perda, que é irreversível, lutando pra sobreviver!

Desejo à todos aqueles que perderam alguém querido nesse desastre, que consigam recuperar o sorriso, consigam achar forças pra sobreviver.

Desejo que fatalidades como essa, fruto da irresponsabilidade de pessoas gananciosas, não mais aconteçam, que os órgãos responsáveis não mais permitam que locais como este funcionem de forma irregular, e que não haja mais novas vítimas do descaso.

Desejo que os sobreviventes se recuperem fisica e psicologicamente, que possam levar uma vida normal, dentro das possibilidades.

Desejo que NINGUÉM MAIS, sinta a dor que eu sinto agora.

Priscilla Kinast

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